Tuesday 13 November 2007

#3

Parece-me absurdamente fácil morrer novo. No fundo, deixar que os outros, sempre mais capazes de tudo, menos da miséria e da angústia, que eu, façam todas as coisas que importam, por mim. É fácil morrer um destes dias. Estou quase a acabar um caderno que comecei em 6 de Maio de 2003, que atravessou muitas coisas, e possui nomes, rasuras, referências, menções, algumas feridas mais ou menos cicatrizadas, como, de resto, é normalíssimo. Era-me fácil deixar esse caderno e os outros todos antes, mais o próximo, que já foi iniciado há uns meses, juntamente com uma nota completamente lamechas e a puxar ao sentimento, dirigida aos meus pais e a alguns amigos mais próximos, pedindo-lhes que tentassem, por tudo, editar-me postumamente, já que, em vida, nunca tenho a espinha dorsal para tal.
Era, sobretudo, concretizar um desejo que, em si mesmo, é impossível ou, pelo menos, inverosímil; o de desaparecer daqui, partir, um dia, num autocarro ou num comboio decadentes, de interior, para outro lugar, onde ninguém me conhecesse, onde a minha vida não existisse, onde me pudesse inventar, ser eu a criar-me, tão poético quanto possível, sem recordações de uma outra vida, sem velhas angústias, sem plasmas antigos, sem memórias que incineram as vontades.
A vida "real" impõe-me limites que não entendo. Não me faz sentido que tenha que trabalhar para ganhar dinheiro para pagar o bilhete de autocarro ou de comboio decadentes de interior e para pagar de raiz a recriação estrutural da minha vida noutro local. Tudo isto deveria ser de graça. É uma coisa necessária e, como tal, deveria ser oferta da vida, em si; só depois, enfim, dessa estabilidade requerida, seria, pois, possível, que me entretivesse a procurar e encontrar um emprego que me satisfizesse e me realizasse pessoalmente. Mas, aparentemente, o meu funcionamento tão inverso não vê as coisas na sua ordem correcta de ser e de se processar.
Era fácil dedicar-me ao nada, que tão bem sei fabricar, congeminar e viver, e deixar que todos fizessem tudo por mim. Às vezes, até respirar.