Thursday, 11 October 2007

#2

Quem me conhece sabe da minha intensa admiração por Boris Vian. Aliás, nos últimos tempos, tem sido apenas Vian, que tenho conseguido ler. Sinto-me, à imagem da personagem Chick, do livro A Espuma dos Dias (L'Écume des Jours, no original) - lá está, do próprio Vian - que vivia apenas para coleccionar livros do Jean-Sol Partre (nítida satirização de Jean-Paul Sartre), um ávido coleccionador de obras do seu próprio criador. Obviamente que, vivendo num mundo em que o dinheiro pesa bastante mais, do que nas obras ficcionais de Vian, é-me impossível, de um ponto de vista físico, até, viver para o coleccionismo e para o fanatismo em torno de um autor e suas obras, como era o caso de Chick. Mas tenho conseguido encontrar alguns livros. O primeiro que comprei foi As Formigas (Les Fourmis), uma pequena colecção de onze contos bizarros, fantásticos, onze formigas, obviamente surreais - mas surreais de uma forma tão palpável e perceptível, que, em muitas realidades, poderiam efectivamente ter-se processado; contos repletos de personagens carismáticas, divertidas ou assustadoras, mas, todas elas, absurdamente comuns e humanas, passíveis de uma existência, de tão irreais que são. Depois, acabei por comprar A Erva Vermelha (L'Herbe Rouge), juntamente com O Outono em Pequim (L'Automme à Pékin), na banca de livros em segunda mão, que costumava haver no átrio da Torre da Faculdade. Li, assim que pude, A Erva Vermelha, mas fui adiando a leitura d'O Outono em Pequim, confesso, por causa da apresentação da capa (já lá havemos de chegar) e do estado, em geral, de conservação do livro. Entretanto, comprei o já referido A Espuma dos Dias, que li ainda antes de sequer ter pegado no livro que tinha adquirido antes, e do qual me tinha desinteressado ligeiramente.
A minha edição d'O Outono em Pequim é uma edição da Ulisseia, datada de 1965, cheira a livro velho, usado, tem uma assinatura de alguém que o teve em 1966, cujo nome me é imperceptível (Jaime Ferreira? Jaime Francisco? Outra coisa qualquer, diferente?), a capa é antiga e mostra sinais de uso, as páginas já estão bastante soltas, castanhas, de tão amarelecidas, desiguais, no seu alinhamento. Peguei no livro apenas há poucos dias, tenho-o lido como qualquer outro livro de Vian que já houvera lido anteriormente. Sabe-me bem, de tão mecânico, de tão orgânico, de tão vivente. Corrijo: sabe-me ainda melhor. Sabe-me melhor, porque todas as outras edições de livros de Boris Vian, que possuo, são recentes, actuais, muito dificilmente chocam, provocam (chocariam ainda muita gente que se dignasse a lê-los, mas não chocam pelo simples facto de existirem, pelo simples facto de estarem à venda nas livrarias), e a minha cópia d'O Outono em Pequim, essa, tem história. Foi editada ainda durante a ditadura, durante o Estado Novo, no meio de todas as particularidades que isso acarreta. Vian não tem propriamente visões políticas que critiquem a extrema-direita, tem-nas, assumamos, que criticam toda a política e movimento político, no geral (uma das coisas que me faz gostar das obras ainda mais é isso mesmo, o asco pela politiquice, pela política, pelo governo, pelos pensadores pelas massas, às vezes de uma forma tão subtil, criticando, ao mesmo tempo, políticas de esquerda e políticas de direita), mas isso inclui uma aversão também a tudo o que o Estado Novo representava. E, no entanto, ali está, um livro de livres-pensantes, editado durante o regime ditatorial de direita que se vivia em Portugal, talvez oferecido a alguém, lido, com certeza, por pelo menos uma pessoa, e, agora, nas minhas mãos. Sinto-me, pois, parte da história deste livro. Ao lê-lo, é Vian, Vian como n'A Erva Vermelha ou n'A Espuma dos Dias, tão brilhante como em qualquer outra das obras que tenha lido, dele. Assustava-me o facto das expressões poderem estar um tanto ultrapassadas, particularmente tratando-se de uma tradução (nunca aprendi francês, mesmo que tivesse comprado a versão bilingue, de pouco me serviria), mas, até agora, parece-me tão "moderna" e "contemporânea", a linguagem utilizada, como a de qualquer outra obra editada mais recentemente. É, sem sombra de dúvida, Boris Vian no seu melhor.

3 comments:

João Silveira said...

Não é um comentário.
É uma maneira estúpida de dizer coisas importantes como o facto de me sentir um péssimo amigo por estar tão pouco em contacto, saudades de um amigo como tu, enfim, penso que tu sabes.

É também uma maneira de te dizer que vou seguido o que escreves (e, por isso, vou sabendo sempre onde estás.)

Deves estar a receber uma msg minha a dizer-te que voltei a escrever n'A CAIXA. Tenho saudades de Poesia e de poder partilhá-la com quem gosto.

Um abraço grande.

. said...

Tenho O Arranca Corações, se quiseres ler :)

aquelabruxa said...

vian é indispensável... depois fartei-me... mas adorei o arranca corações.